Colóquio internacional
Escrever, agir, resistir: reconfigurações do engagement literário

6 e 7 de novembro 2025

A interrogação sobre o papel do escritor na pólis, que encontra na modernidade uma inflexão decisiva com o paradigma romântico do poeta visionário e do escritor exilado, assume hoje uma renovada premência crítica. Da figura matricial de Victor Hugo que, do exílio em Jersey, compõe Les Châtiments (1853) numa intrincada articulação entre combate político e exigência poética, à radicalidade do postulado sartriano em Situations II (1948): “L’écrivain est en situation dans son époque: chaque parole a des retentissements. Chaque silence aussi. Je tiens Flaubert et Goncourt pour responsables de la répression qui suivit la Commune”, desenha-se uma genealogia do engagement que demanda hoje a ser criticamente reexaminada.

Com efeito, o diagnóstico incisivo de Jean-Marie Le Clézio no seu discurso do Nobel – « Alors, pourquoi écrire ? L’écrivain, depuis quelque temps déjà, n’a plus l’outrecuidance de croire qu’il va changer le monde […] Plus simplement, il se veut témoin » (Le Clézio, 2008) assinala uma inflexão fundamental na própria configuração do papel social e político do escritor.

Esta deslocação da figura do escritor-militante para a do escritor-testemunha não configura, contudo, um mero abandono de uma escrita comprometida. Observa-se antes uma multiplicação das suas modalidades: Annie Ernaux interroga as estruturas sociais através de uma escrita auto-socio-biográfica militante, Chimamanda Ngozi Adichie (Nigéria/EUA) reinventa o feminismo transnacional, enquanto Paul B. Preciado (Espanha) problematiza as políticas identitárias contemporâneas. No espaço digital, Teju Cole (EUA/Nigéria) e Rupi Kaur (Canadá) transformam as redes sociais em laboratórios de escrita militante, expandindo significativamente o alcance do engagement. Na poesia francesa contemporânea, Michel Deguy, Marielle Macé e Jean-Christophe Pinson interrogam a responsabilidade ecológica do escritor. Na literatura de expressão alemã, Elfriede Jelinek, Juli Zeh e Eva Menasse, ou mesmo os escritores da dita geração de 1968, tais como Peter Schneider e Uwe Timm, são frequentemente associados a uma engagierte Literatur, trazendo para primeiro plano a responsabilidade social do autor. Em Portugal, Lídia Jorge e Valter Hugo Mãe articulam memória histórica e intervenção no presente, numa renovação dos modos do engagement social. Paralelamente, Roberto Saviano (Itália) e Édouard Louis (França) incarnam uma nova geração de intelectuais públicos que, através de múltiplos suportes, conjugam criação literária e contestação política, dando voz às margens da sociedade. Não menos importante, a voz de Dmytro Pavlytchko (1929-2023), na Ucrânia, é exemplo de uma poesia de resistência, que usa a palavra como grito contra a violência e a opressão, defendendo a preservação da identidade cultural e a liberdade em tempos de guerra.

Este colóquio internacional propõe-se examinar, numa perspetiva comparatista e transnacional, as metamorfoses do engagement literário face aos desafios do século XXI, interrogando em particular: que reconfigurações conhece hoje o engagement face às mutações societais contemporâneas? Como se articulam os contextos nacionais e linguísticos com os desafios globais? Que novas poéticas da resistência emergem neste panorama de transformação das práticas literárias?

Convidamos à apresentação de propostas de comunicação que tratem ou cruzem estes tópicos de reflexão:

• Trajetórias do engagement na literatura, do Romantismo à contemporaneidade: deslocamentos e transformações
• Poéticas da resistência: violência, trauma e denúncia
• Literatura na política, política na literatura
• (Inter)Discursos e (re)configurações do engagement na escrita literária
• Ética e/m escrita: responsabilidade e testemunho
• Pós-colonialismo, resistência e reconfiguração da memória
• Literatura e ecocrítica: desafios da justiça ambiental
• (Des)Igualdade de género: escrita, representação e intervenção
• Literatura entre artes: modalizações engagement na escrita literária
• Tradução literária e ativismo
• Literatura, resistência e intervenção em contexto digital

Aceitam-se propostas para comunicações orais de 20 minutos, em português, inglês, francês ou espanhol. As propostas de comunicação devem ser enviadas até ao dia 30 de abril de 2025 para o endereço dlc-engagementlit2025@ua.pt. Mais informações em: https://engagementlit2025.web.ua.pt/